Não é sempre que uma economista usa referências do mundo pop para ilustrar lições da área econômica. Mas foi na letra da canção Hotel California,
da banda The Eagles, que a professora Scheherazade Rehman, da
Universidade George Washington, na capital americana, encontrou a
metáfora ideal para o que chamou de "a caixa preta dos mercados
emergentes".
"Você pode fazer o check-out (do hotel)
quando quiser, mas nunca pode ir embora", diz a letra. Uma analogia,
argumenta a professora, com a situação de países como o Brasil, que,
apesar de já terem entrado no seleto rol de emergentes na economia
mundial, tendem a permanecer para sempre "presos" ao seu restrito
círculo de influência. Ou seja, nunca serão potências globais.
"O Brasil permanecerá uma
superpotência econômica regional a menos que ocorra um milagre",
escreveu a acadêmica em uma análise recente.
Recentemente, em um artigo sobre a chamada "nova
ordem mundial" – uma economia global na qual os Estados Unidos terão de
dividir a sua hegemonia –, ela avaliou os prospectos econômicos de
alguns dos candidatos a superpotência mais citados pelos analistas:
China, Índia, Brasil, Rússia, África do Sul, Turquia e União Europeia.
Em entrevista à BBC Brasil, Rehman comentou sobre as suas conclusões.
BBC Brasil: O que a sua análise diz sobre o Brasil?
Rehman: A baixa taxa de
crescimento do Brasil (de 0,6% no terceiro trimestre) chocou a maioria
dos analistas. Em 2013, acredito que veremos uma piora na Europa e nos
EUA a recuperação continuará lenta. Isso não traz bons prospectos para
outras economias do mundo, nem para o Brasil.
Nesse contexto, o modelo brasileiro, de
estimular o consumo diante da desaceleração, não é mais sustentável. Os
custos de financiamento, embora venham caindo, ainda são muito altos, há
muita burocracia e o sistema tributário é muito complexo.
Minha principal preocupação no futuro é se
haverá suficiente investimento produtivo disponível. Para de fato
brilhar a partir de 2013, o Brasil precisa dobrar a sua taxa de
investimentos, e não sei de onde vai tirar esse dinheiro.
BBC Brasil: Mesmo com a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016?
Rehman: Esses grandes eventos
esportivos vão ser um atrativo, como foram para todos os países que os
sediaram, mas e depois? Você precisa voltar às velhas questões básicas:
quão competitivo é o país, quão qualificada é a mão de obra?
O Brasil de hoje não é o país de dez, nem sequer de cinco anos atrás.
As mesmas políticas não vão funcionar. Agora, a educação, ciência e
tecnologia cobram seu preço.
BBC Brasil: A Sra disse que o Brasil só
se tornará uma potência econômica global se acontecer um "milagre". Por
que acha que é tão difícil para o país conseguir isso?
Rehman: Porque acho que os
problemas que o Brasil precisa resolver são muito, muito grandes e não
podem ser consertados de um dia para o outro. Não são desequilíbrios
macroeconômicos, são problemas sistêmicos e profundos.
Sim, há desenvolvimentos no campo da
infraestrutura, mas o Brasil é um país enorme, com uma população diversa
e localizada em certas áreas. Isso traz uma série de desafios para o
transporte. Além do mais, o problema não é só de eficiência econômica:
inclui também a pobreza e a desigualdade de renda, que estão ligados ao
crime. É uma questão de elevar o nível da sociedade.
Veja a África do Sul, por exemplo: recebeu
muitos investimentos para a Copa do Mundo, e os gerenciou muito bem, mas
e agora? Como a África do Sul, o Brasil também tem uma grande parcela
da população pobre vivendo em moradias carentes nas periferias das
grandes cidades. Esses problemas levam décadas para serem consertados.
O país precisa de um plano mais amplo de desenvolvimento para além de 2016, e eu não estou vendo isso.
BBC Brasil: Desde que chegou ao poder, a presidente Dilma
Rousseff anunciou planos para a infraestrutura, inovação e
produtividade, e enquanto isso, mais pobres têm engrossado a classe
média brasileira. A Sra acha que isso não é suficiente?
Rehman: Eu entendo a posição do
governo, que está se concentrando exatamente onde é necessário, mas
ainda precisa apagar incêndios para evitar uma desaceleração.
A questão é se o mundo vai continuar investindo
na infraestrutura brasileira se não perceber um retorno rápido nos seus
investimentos.
Os investidores não gostam de prazos longos. Você começa a falar em dez anos, e eles vão para outros lugares.
BBC Brasil: Por outro lado, o Brasil tem
nota de investimento e em teoria deveria ser um lugar mais seguro que
outros mercados mais lucrativos e menos estáveis.
Rehman: Sem dúvida, mas se a
taxa de crescimento continuar a declinar significativamente, como tem
ocorrido, os mercados podem virar as costas rapidamente. Uma das coisas
que aprendemos com a crise financeira é que nenhum país está seguro.
Não quero ser pessimista, porque o Brasil tem um
enorme potencial. Financeiramente, o país está saudável: a dívida
pública é gerenciável e o país tem a nota de investimento. Enquanto os
preços das commodities continuarem altos e a demanda na China não cair
muito mais, tudo bem. E em algum momento os EUA vão se recuperar. Mas
até quando essa dinâmica pode resistir?
Está cada vez mais difícil competir em um mundo
que produz exportações mais baratas. E o Brasil não é mais a única fonte
de muitos minerais: estamos extraindo cada vez mais recursos da África.
Isso inclui alimentos: o Brasil até agora tem sido o gigante no campo
da agricultura, mas com os investimentos sendo despejados na África ao
sul do Saara, terá competidores.
BBC Brasil: Mas o Brasil já tem o sexto maior PIB do mundo, por que então já não somos uma potência econômica?
Rehman: Ter
um grande PIB não basta para ser uma potência econômica. Se a renda per
capita de um país é baixa, ou se a sua disparidade de renda é muito
alta, esse país claramente tem problemas do ponto de vista da
infraestrutura. Por exemplo, a economia do Brasil é maior que a da
Grã-Bretanha, mas a economia britânica está em uma posição muito
diferente em termos de desenvolvimento. O Brasil é uma potência entre
outros mercados emergentes, e certamente a potência dominante na América
Latina, mas isso não garante um lugar à mesa das potências mundiais.
A questão fundamental é: será que o Brasil vai continuar sendo o país do futuro?
BBC Brasil: Muitos acham que o futuro chegou e que agora é o momento do Brasil.
Rehman: O povo brasileiro
claramente está pronto para passar para o próximo estágio: a população
está entusiasmada e confiante no futuro. O problema é que, em
determinado momento, o desenvolvimento se torna um jogo político, e é aí
onde a maioria dos países fica estancado.
Criar potências globais é um jogo muito difícil e
sempre de longo prazo. Muitos, muitos países crescem por períodos
limitados e depois murcham. A América Latina é particularmente inclinada
para esses fenômenos.
O Brasil precisa ser honesto consigo mesmo e
descortinar esses problemas. Isso vai tornar o país menos atraente?
Talvez. Mas no longo prazo, é a melhor estratégia para resolvê-los.
Quando os investidores estão interessados em você, você não quer mostrar
o seu lado mais feio. Mas se não resolver esses problemas, um dia os
investidores vão descobrir.
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