Depois de cumprida metade do mandato, qual é a marca do governo Dilma
Rousseff? Esta é uma das perguntas feitas por Marina Silva, que há dois
anos recebeu quase 20 milhões de votos para ser presidente da República.
Ela mesma responde: "Temos uma referência de FHC, que foi a
estabilidade econômica e uma de Lula, que foram os ganhos sociais, mas,
sinceramente, ainda não tenho uma referência do governo Dilma".
Marina diz que Rede, partido que pretende fundar, não é concebido com perspectiva eleitoreira (Foto: Wilson Pedrosa/Estadão)
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Em meio a um périplo pelo País em busca das 500 mil assinaturas que
possam viabilizar seu novo partido, a Rede Sustentabilidade, a
ex-ministra do Meio Ambiente e senadora pelo PT do Acre concedeu
entrevista exclusiva ao Estado. Incomodada com a
antecipação do calendário eleitoral, Marina comparou Dilma aos
principais pretendentes ao cargo - Aécio Neves (PSDB-MG) e Eduardo
Campos (PSB-PE) -, e destacou a Rede como única alternativa ao sistema
político atual.
Crítica à política econômica do governo, Marina elogiou a redução do
custo de energia elétrica, mas atacou a inexistência de uma política de
eficiência, que permitisse ao Estado poupar investimentos em
hidrelétricas como Belo Monte, e suas consequências ambientais
"irreparáveis".
Como a sra. vê a economia hoje e o que defende para que o PIB cresça com menos inflação?
Uma das coisas que precisam ser feitas é descontinuar políticas de
curto prazo para alongar o prazo da política. Em 2008, muitas medidas
foram tomadas, que surtiram efeito em 2010. Neste momento, a repetição
da mesma fórmula não está funcionando. Há um esgotamento da política de
estímulo ao consumo interno, que tem ampliado o endividamento das
famílias, ao mesmo tempo em que a crise mundial assola nossos grandes
demandantes de exportações. Precisaremos de investimentos básicos,
estratégicos.
Podemos ter ganhos de curto prazo em 2014, como tudo
indica que teremos após as diversas medidas tomadas nos últimos anos,
mas o resultado será eleitoral, não estrutural.
Os prejuízos que temos com a insegurança dos investidores, em função
da inflação elevada, da política de juros, faz com que haja uma certa
retração do investimento privado. A lógica que está posta consegue
retornos de curto prazo.
Estamos em março de 2013, mas em plena campanha por 2014. Por quê?
Esse era o momento do intervalo para os partidos, em debate com a
sociedade. A gente pode fazer a competição pelo caminho de cima, partir
do patamar do ganho da estabilidade econômica, que foi a contribuição do
Fernando Henrique. Partir da contribuição do Lula, que foram os ganhos
sociais, a estabilidade econômica com distribuição de renda. E criar a
agenda estratégica a partir desses ganhos. Algumas pessoas ficam
torcendo para que tenha mais desgraça, porque aí cada um vai ser o
salvador da pátria. Eu não parto desse princípio. A gente tem uma
referência ao Lula, ao Fernando Henrique, mas sinceramente ainda não
tenho uma referência ao governo Dilma. Qual é o "delta mais" do governo
da presidente Dilma?
O que acha do governo Dilma?
Do ponto de vista negativo é a inflação, sem dúvida. Há uma política
de quase extrapolar os limites da meta de inflação e essa flexibilidade
toda de manejar a política fiscal. Mas qual é o "delta mais" dessa
agenda? Neste momento, é legítimo que a sociedade cobre: qual é mesmo o
referencial do atual governo? Obviamente que ainda tem dois anos para
dizê-lo, mas a antecipação da eleição leva para uma agenda do
imediatismo que não nos dá o tempo para colocar termos de referência
claros. Qual a diferença se for Aécio Neves, Eduardo Campos ou a Dilma?
Tem diferença em relação ao modelo de desenvolvimento? Me parece que até
agora todos estão no mesmo diapasão.
Temos hoje 30 partidos e 39 ministérios. Surgiu um novo partido, tem de criar novo ministério...
Não, para o nosso não precisa. Se o nosso for criado, não precisa de
ministério. Aumentar ministérios em função do atendimento das demandas
legítimas da sociedade, dos bens e serviços que podem ser gerados pelo
Estado é uma coisa. Aumentar todo esse peso da burocracia estatal em
função de ter nacos para distribuir para os partidos, em nome da
governabilidade, essa é a mesmice que vejo em todos os partidos,
infelizmente. Você muda um ministro do PDT, mas é o PDT que continua
indicando. Você muda do PMDB, mas é o PMDB que é o dono daquela vaga e
ninguém tasca. O esforço que estamos fazendo é de um agenda de médio e
longo prazo. Insisto: não é mais um partido coisa nenhuma, e não é uma
perspectiva eleitoreira. Se fosse, não teríamos ficado dois anos
discutindo, num movimento amplo da sociedade. Preferimos um movimento
oceânico.
A senhora é favorável à independência do Banco Central?
Não sei se é preciso essa institucionalização da independência. O
importante é que essa instituição possa agir com independência, e não
ter a situação semelhante à dos argentinos, onde não há clareza.
Caso a Rede chegue ao Planalto, como será a relação com o Congresso e os partidos?
Esse é o momento de discutir a nova base. Será que dá mesmo para o
Brasil passar mais quatro anos com o presidente refém dos políticos? É
possível uma nova governabilidade, que seja programática? Existem
pessoas do PSDB, do PDT, do PSB, do PT, do PMDB, de todos os partidos,
que ficam sempre terceirizadas, com muita disposição. Numa democracia, a
alternância de poder é altamente salutar. Não tem o que temer.
Aécio Neves, Eduardo Campos e Dilma se aproximam de sindicatos. E a Rede?
Prefiro pensar os sindicatos como categoria social, não como votos.
Está havendo uma mudança nas forças que mobilizam o ato de fazer
política. Estamos saindo do ativismo dirigido pelos partidos,
sindicatos, ONGs, academia e pelas corporações, para um ativismo
autoral, onde os ativistas não são dirigidos por ninguém, são os
protagonistas. A prova desse ativismo autoral é que mais de 1,5 milhão
de pessoas assinaram petição dizendo que não querem Renan Calheiros.
Uma das medidas mais populares de Dilma foi a redução da conta de luz. Qual sua opinião?
A antecipação do fim dos contratos foi salutar. Concessões feitas há
20, 30 anos, já tinham amortizado seus investimentos, e quem paga isso é
o contribuinte. Seria injusto manter a mesma tarifa porque as
concessionárias ganhariam duas vezes. O problema foi quando o governo
entrou com subsídios, criando desconfiança entre os investidores.